Seitas, Igrejas e Religiões
Jean-Yves Leloup
Sobre os Autores: Jean-Yves Leloup, filosofia, padre ortodoxo (hesicasta) e conferencista internacionalmente conhecido, é Ph.D. em Psicologia Transpessoal, doutor em Teologia pela Universidade de Estrasburgo (França), professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), formado em Terapia Iniciática pelo próprio Karl Graf Durckheim, ex-diretor do Centro Internacional Sainte-Baume, fundador da Universidade Holística Internacional de Paris e orientador do Colégio Internacional dos Terapeutas. Autor de numerosas obras de espiritualidade consagradas no Brasil e na Europa, traduziu e interpretou os textos sapienciais bíblicos, além de ter publicado relevantes estudos a partir da meditação de escritos dos primeiros séculos da era crista.
Editora/Cidade: Verus Editora Copyright: 1998
Tema:
Pesquisa: Charles César Couto Revisão: Ana Rita Soares
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Conteúdo Resumido:
Introdução – um jantar suspenso, Champs-Elysées, 1903
1 O Bom Uso ou o Abuso
1. Do homo religiousus ás religiões
Comecemos por uma questão bem simples: o homem é naturalmente religioso?
Na origem das religiões, encontramos a experiência de uma Realidade que transcende as realidades costumeiras espacio-temporais e abre a consciência a uma outra Consciência, que ocasiona a experiência do numinoso.
Em relação ao conceito de religião, ela vem da palavra religio e evoca:
- o verbo religare, de ligare (ligar). Essa interpretação viria de Lactancio e Tertuliano;
- o verbo relegere, de legere (colher, reunir), interpretação ciceroniana.
Essa maneira de lidar com a experiência da transcendência ira ocasionar
um certo numero de atitudes e rituais que vão se constituir numa religião estabelecida. Seriam cinco os pilares de uma religião:
1 – a profissão de fé, também chamada de credo;
2 – a oração ritual;
3 – o jejum;
4 – a esmola: legitimada nas civilizações tradicionais, sendo substituída pelo imposto. Trata-se da participação de cada membro de uma sociedade ou de uma religião nos cuidados dos mais carentes. De um ponto de vista espiritual, ela não é praticada inicialmente para o bem-estar daquele a quem se destina, mas para o bem-estar daquele que a pratica;
5 – a peregrinação: que exprime um retorno as fontes;
Poderia ser acrescentado um sexto pilar:
6 – uma guerra santa ou cruzada: a idéia da guerra santa liga-se ao fato de que devemos travá-la dentro de nós e não fora.
2. A igrejas
A palavra igreja vem do grego ekklesia, do verbo ek-keleia, que quer dizer convocar. Trata-se de uma assembléia de cidadãos convocados pelo arauto para a gestão das questões publicas.
As igrejas deveriam ser verdadeiras escolas de iniciação a um caminho interior.
3. As seitas
O latim secte-sete-secta idica uma maneira de viver, uma linha de conduta política, uma escola filosófica e depois religiosa. Foi no século XII que de sequi (seguir) se originou a palavra seita: agrupamento de homens e mulheres que seguem um ensinamento, uma pessoa. A partir de 1525 a essa etimologia preferiu-se o latim sectio-sectum, do verbo secare: cortar.
É por volta do século XIX que o termo sectário, partidário de uma doutrina, vai tomar aspecto mais pejorativo, até o ponto de significar intolerância ou estreiteza de espírito. Quer seja em política, quer em religião, quer em filosofia ou qualquer outra área.
Quando é que há um fenômeno sectário?
Há sectarismo quando:
- estamos na presença da consciência de pertencer a um grupo que detém o monopólio da verdade e da salvação;
- quando um grupo se considera auto-suficiente, havendo contato com os outros somente para convertê-los ou assimila-los;
- quando a primazia é dada aos princípios ou a doutrina e à sua interpretação literal acerca das pessoas;
- as seitas sempre anunciam um fim nobre e utilizam meios ignóbeis como condicionamento e pressão, sendo um dos meios mais aplicados o corte ou a ruptura com a sociedade
nas seitas são empregada livremente nossa fortuna, mas sem a possibilidade de recuperá-las;
- as seitas nos livram do fardo da nossa liberdade, como afirma Dostoievski em sua “Lenda do Grande Inquisidor”;
- as seitas afirmam possuírem um conhecimento secreto e poderes que tornem suportáveis nossa fragilidade e as humilhações que sofremos
A grande questão é saber se a seita, associação ou partido no qual me encontro neste momento me torna: mais inteligente?
A instituição na qual me encontro pensa por mim? Ou ela estimula o meu próprio pensamento Mais amoroso?
Há comunidades de homens e mulheres que, de inicio seduzem aqueles que são mais sensíveis, fazendo com que, ao longo do tempo, essas pessoas sintam uma divida afetiva para com a instituição.
Mais vivo?
Algumas seitas vêem a saúde como coisa do diabo.
Mais livre?
Será que podemos sair tão facilmente quanto entramos?
É bom que se saiba que raramente se sai ileso de uma seita.
Por fim, a melhor igreja, seita ou associação é aquela que nos torna melhores, mais inteligentes, mais amorosos, mais vivos e mais livres.
2 Os inconscientes em que se anuncia uma palavra
Hoje em dia vemos muitas pessoas que se dizem “inspiradas” por alguma entidade de alto teor hierárquico. Transmitem as palavras dessas entidades com convicção, encontrando um certo numero de adeptos.
Mas, como discernir o que é o que não é nessa historia? Vamos voltar o nosso olhar um pouco para as tradições da humanidade.
Os fatos
Desde os tempos mais remotos, homens e mulheres dizem receber sinais ou mensagens de poderes transcendentes.
Eles sempre dizem que o que sabem é algo que veio do alto ou das profundezas. A revelação é dada a um homem ou a um grupo com a esperança de que desse grupo especifico nasça um mundo novo.
A criação de uma humanidade nova começa pela criação de um germe que contem uma ciência, que traz em si uma sabedoria, destinada a humanidade inteira. O povo criado não o foi para fechar-se em si mesmo, mas para levar e comunicar a mensagem a toda humanidade, por isso, é um povo profético.
A palavra profeta vem do grego prophetes, que vem do verbo prophemi, que significa “dizer ou anunciar com antecedência”. O profeta é o interprete de um deus ou dos deuses. O profeta revela o significado da obra criada por Deus e sobre suas intenções.
É bom lembrar que a palavra de um profeta deve ser interpretada e, ao fazê-lo, envolverá a consciência humana com todas as suas limitações, com as idéias do seu tempo, com as suas limitações e temperamento.
Cada texto dito sagrado, bem como cada profeta tem uma história e é uma expressão de uma cultura. Esquecer disso nos leva ao fanatismo.
Um homem, ao transmitir uma “revelação”, pode fazê-lo através de múltiplos níveis da consciência humana, dentre os quais:
- a persona: refere-se ao nível do julgamento pessoal
- inconsciente pessoal: é o lugar da nossa história que se projeta num discurso, consistindo na soma das experiências reprimidas e vividas do individuo;
- inconsciente familiar: é a história através de várias gerações da família;
- inconsciente parasita: consiste em contatos com supostas entidades desencarnadas ou então um fenômeno conhecido como canalização, sendo um exemplo disso “Um Curso Em Milagres”, onde o médium é o canal para uma entidade de alto valor espiritual. É duvidoso que alguém fosse canalizar Elvis Presley. Nesse fenômeno o sujeito tem uma fala que não é a sua, levando a um estado de despersonalização ou dissociação, como acontecia com os médiuns espíritas, que eram advertidos pelos médicos sobre os efeitos nocivos da pratica mediúnica para a saúde mental de vários deles ao anular sua personalidade diante das fantasias do inconsciente;
- inconsciente coletivo: o inconsciente coletivo ascende sobre a nossa pessoa para que nossa ação seja em nome de uma ideologia, comunidade, raça ou fé. Ele é o local dos grandes símbolos, dos arquétipos, e é por isso que os profetas e os lideres carismáticos, em seus discursos, fazem grande uso dele e entram em ressonância com as imagens que estruturam os indivíduos;
- inconsciente físico: refereÀse a percepção de mundo que vemos na filosofia de Heráclito e dos chineses taoistas;
- inconsciente angelical: seu acesso é o dos mais importantes para o homem contemporâneo, pois ele inaugura a passagem ao mundo espiritual. O anjo lembra ao homem que ele é o canal do logo. Nesse estado de consciência, o homem está desperto nos dois mundos, sem precisar de se anular. Pode surgir a ocasião em que o homem se ache dono de um poder. Segundo o autor, seria a influencia do anjo mau;
- o self-imago Dei: o processo de individuação não é uma tomada de consciência. A individuação consiste no reconhecimento do self como centro de nossa personalidade, que ao mesmo tempo a contem e a ultrapassa. Uma manifestação dessa relação é a fala paradoxal que vemos no zen-budismo, pois é como se estivéssemos inspirados. Aqui funciona a lógica do “e” e não a do “ou”, ou como dizia Cristo: “O Pai e eu somos um. O Pai é maior do que eu”;
- deus – o criador – a origem que não falta – o ser: Deus seria aqui o criador do Self. “Deus fala tanto pela boca dos loucos quanto pela boca dos sábios, isso os sábios sabem. Deus fala tanto pela boca dos sábios quanto pela boca dos loucos, isso os loucos não sabem” (pág.: 63).
- O aberto – a deidade – a origem que falta – o diferente do ser: trata-se do nível do silencio que Jesus foi buscar em seus 40 dias no deserto.
Discernimento
Temos os critérios de discernimento tradicionais:
- reconhecemos uma árvore pelos seus frutos;
- a parábola do trigo e do joio nos convida igualmente a deixar crescer um e outro, a não arrancar nada até a colheita.
3 Sobre o mestre
Elementos de discernimento
1. Seguir alguém, seguir um ensinamento
Pedagogicamente, podemos começar seguindo a um mestre para aprender com ele a linguagem da sabedoria, mas virá o momento em que andaremos com nossas próprias pernas. Jesus, por exemplo, nunca quis fazer de nós cristãos, mas outros Cristos, e ai esta um bom critério de discernimento: a pessoa que consideramos nosso mestre espiritual, será que ela quer que a sigamos de maneira cega? Que repitamos sua fala sem mudar nada e que nos conformemos com seus desejos? O que ela quer com seus ensinamentos, após a relativização necessária de nosso ego, será favorecer nossa autonomia? Nutrir nossa inteligência e nossa própria fala?
2. O mestre espiritual
Milhares de pessoas projetam sobre alguém as qualidades de conhecimento, força ou de compaixão que lhes faltam. Na terminologia junguiana isso é chamado de projeção do self interior “não-integrado” sobre um “ego exterior” que simboliza essas qualidades. Essa projeção produz uma energia considerável, e quem a recebe vai ficar doente devido a ela, sendo que a pior doença é acreditar naquilo que essas centenas e milhares de pessoas projetam sobre ele. Há aquilo que Jung chamou de inflação do ego. A pessoa sujeita a essas projeções se toma pelo messias, profeta ou algo que os outros esperam. Em hospitais psiquiátricos, as três personalidades encontradas com mais freqüência, ao lado de alguns faraós, são Cristo, Buda e Napoleão (arquétipos do amor, do despertar e da força).
O sinal de um verdadeiro mestre é justamente o fato de ele não se apresentar como mestre, mas como um discípulo, um servo. Ele não autoriza a si próprio
3. Autenticidade e inflação
A principio, um mestre autentico também poderá incorrer em erros. Isso significa que não podemos depositar nossa confiança total em um mestre humano. É necessário que interroguemos sobre o fruto de suas palavras. Será que ela produz naquele que a pronuncia e naqueles que a escutam a inflação, a inquietude, a presunção e certa exaltação? Ou, ao contrario, a humildade, o amor e a paz?
4. O direito ao erro, segundo Tomás de Aquino
Um dos discípulos de Tomás de Aquino perguntou um dia: “Mestre, se o papa pedir que eu faça, e minha consciência me disser para fazer outra coisa! O que devo fazer, a quem devo obedecer?”
Tomás de Aquino, então respondeu: “Escuta a voz da tua consciência, buscando esclarecê-la”. É preciso, então, ouvir o nosso próprio mestre interior.
Apêndice
“Disputa” com os discípulos de Moon
Trata-se da experiência do autor num seminário da Associação para a Unificação do Cristianismo Mundial, fundada pelo reverendo Moon e seus parentes.
O autor relata sua experiência em relação aos argumentos e ao confronto através do dialogo com os integrantes do movimento.
A impressão é que o autor, apesar de ter uma postura especifica em relação às seitas, igrejas e religiões, ele participou do seminário, não como um pesquisador, mas como alguém faz parte de uma outra seita, igreja ou religião...