Misticismo
A EXPERIÊNCIA MÍSTICA
A experiência mística pode ser caracterizada, resumidamente,
como uma sensação direta de ser um só com Deus ou com o espírito
do universo. Apesar de a oração e o sacrifício implicarem uma grande
distância entre Deus e o homem — ou entre Deus e o mundo —, o
místico tenta transpor esse abismo. Em outras palavras: o místico não
sente a existência desse abismo. Ele é "absorvido" em Deus, "se perde"
em Deus, ou "desaparece" em Deus. Isso porque aquilo a que
normalmente nos referimos como "eu" não é nosso eu real. O místico
experimenta, pelo menos por instantes, a sensação de ser indivisível
de um eu maior — não importa que ele dê a isso o nome de Deus,
espírito universal, o eu, o vazio, o universo ou qualquer outra coisa.
(Um místico indiano disse certa vez: "Quando eu existia, não existia
Deus — agora Deus existe, e eu não existo mais". Ele "se perdeu" em
Deus.)
No entanto, uma experiência dessas não acontece
espontaneamente. O místico deve percorrer "o caminho da
purificação e da iluminação" até seu encontro com Deus. E esse
caminho — que pode ter uma série de níveis ou estágios — muitas
vezes inclui o ascetismo, exercícios respiratórios e técnicas complexas
de meditação. É então que, de súbito, o místico alcança seu objetivo e
pode exclamar: "Eu sou Deus!", ou: "Glória a mim! Como é grande
minha majestade!".
O incentivo de um místico com freqüência é um amor ardente
por Deus. Assim como o amante se esforça para se unir com o objeto
de seu amor, o místico se esforça para se tornar um só com Deus. Há
um anseio que permeia o mundo todo. Essa radiância divina que se
encontra no homem, anseia por se libertar de sua existência
individual. Pois aquele que anseia por Deus, anseia simplesmente
por aquilo que Deus anseia. É nesse êxtase místico — ou
união mística
— que se dá o encontro com Deus. "Eu sou aquilo que amo", exultava
um místico persa, "e Aquele a quem amo sou eu!"
T
ENDÊNCIAS MÍSTICAS
Podemos encontrar tendências místicas em todas as grandes
religiões do mundo. E as descrições que os místicos nos fornecem da
experiência mística demonstram uma notável uniformidade, apesar
das fronteiras sociais, culturais e religiosas, e de enormes diferenças
cronológicas e geográficas. Isso nos permite falar de uma dimensão
mística em todas as religiões, e foi por essa razão que o filósofo
alemão Leibniz chamou o misticismo de
philosophia perennis: a "filosofia
perene".
C
ARACTERÍSTICAS DO ESTADO MÍSTICO
Com base nos relatos de místicos de várias épocas e culturas,
normalmente são atribuídas as seguintes características à
experiência mística:
*
O místico sente uma unidade em todas as coisas. Há apenas
uma consciência
— ou um Deus — que permeia tudo.
*
Embora o místico já venha se preparando há muito tempo para
seu encontro com Deus, ou com o espírito universal,
sente-se passivo
quando isso acontece. É como se ele fosse tomado por uma força externa.
*
Essa condição se caracteriza pela intemporalidade. O místico
se sente arrancado para fora da existência normal de quatro dimensões.
*
O êxtase em si é transitório, e em geral não dura mais que
alguns minutos.
*
Mas ele possibilita um novo insight, que permanece com o
místico depois da experiência.
*
Essa compreensão é inexprimível, não pode ser comunicada a
outros
.
*
Como a experiência é paradoxal em si mesma, o místico vai
usar paradoxos ao tentar descrever o estado que experimentou. Assim,
pode definir o ser encontrado como "abundância e vazio", "escuridão
ofuscante" ou algo parecido.
É somente quando o místico apresenta uma interpretação
religiosa ou filosófica de sua experiência mística que o seu contexto
cultural entra em foco. Especialmente no misticismo ocidental
(cristianismo, judaísmo e islã), o místico irá ressaltar que seu
encontro foi com um Deus pessoal. Mesmo que tenha sido "absorvido
em Deus", ele costuma dar ênfase ao fato de que havia uma certa
distância entre Deus e o mundo. Algo da relação eu-tu, ou eu-Deus,
se mantém. Esse tipo de misticismo já foi chamado de
misticismo
teísta
, No misticismo oriental (hinduísmo, budismo e taoísmo) é
mais comum afirmar uma identidade total entre o indivíduo e a
divindade, ou o espírito universal. Poderíamos dizer que esse
encontro do místico com a divindade ocorre como uma relação eueu.
Sim, pois Deus não está presente como uma mera centelha na
alma do homem. O divino existe em todas as coisas deste mundo, é
uma realidade imanente. Já se denominou esse tipo de misticismo de
misticismo panteísta.
Também para o homem moderno a dimensão mística pode
desempenhar um papel decisivo. Muitas pessoas reconhecem que
tiveram experiências místicas, sem atribuí-las a nenhuma religião
específica. É típico desses "místicos modernos" o fato de que, de modo
geral, não tomaram nenhuma atitude ativa para se transportar a um
estado místico. De repente, no meio da agitação rotineira da vida
diária, experimentaram aquilo que chamam de "consciência
cósmica", "sensação oceânica" ou "osmose mental".